Entrevista com Stela Dantas: 52 anos de HAM
- Publicado em 10/04/2019
- Amor, DEP, Enfermagem, Enfermeira, HAM, Hospital Aristides Maltez, LBCC, Liga Bahiana Contra o Câncer
Enfermeira, soteropolitana, 75 anos de vida e 52 anos de amor pelo Hospital Aristides Maltez (HAM) completados nesta quarta-feira (10). Essa é Stela Dantas, coordenadora do Departamento de Ensino e Pesquisa (DEP), que emocionada conta um pouco sobre a sua trajetória na instituição, amor pela enfermagem e gratidão por poder trabalhar com pessoas carentes: “A gente sempre ganha um ‘obrigada’, um abraço ou até mesmo uma penca de bananas”. E, questionada sobre uma possível aposentadoria, ri e diz: “vou pensar”. Confira a entrevista!
HAM: Qual o sentimento de fazer parte dessa história?
Stela – Amor. Muito amor. Muita emoção de ter tido o privilégio de vir trabalhar nessa casa com a população carente, de baixa renda, podendo ajudar. Minha meta aqui é sempre ajudar essa gente que precisa. Na verdade, todos nós sempre podemos ajudar uns aos outros independente de onde estejamos. O HAM é um filho que eu não tive. São 52 anos militando nessa casa.
HAM: Qual o segredo para ser essa pessoa tão respeitada dentro do HAM?
Stela – Eu soube me impor desde que aqui cheguei e o tempo de vida e de trabalho também ajudam. As pessoas quando vêem que você já tem mais tempo de casa do que elas procuram referências. Eu conheço esse hospital como a palma da minha mão. Cheguei aqui em 1967, o hospital tinha sido inaugurado em 1952 e eu vim pra cá trabalhar como enfermeira. Tinha uma vaga aqui, uma amiga me avisou e eu vim. Eu fui me identificando cada vez mais com o propósito e com as pessoas. Várias oportunidades surgiram ao longo do tempo. Cheguei a fazer concurso público, passei, mas nunca tive interesse de sair daqui. Eu acho que isso eu herdei de meu pai. Ele era médico do interior, dedicadíssimo à população, vivia para o povo e cada dia que passa eu me sinto feliz em ajudar essas pessoas porque só aqui a gente consegue ver de perto o que cada um passa, do que precisam, as dificuldades que encontram para conseguir as coisas… O sistema está cada vez mais difícil, a população aumentando dia após dia e cada vez mais esclarecida, exigindo muito mais. Então, tudo isso fez com que eu criasse esse vínculo com essa casa. Aqui eu aprendi, ocupei todos os cargos que uma enfermeira pode ocupar numa instituição, Dr. Aristides me deu muito a mão, puxou muito a minha orelha, me orientou muito e estou aqui, continuando meu trabalho que é ajudar essas pessoas que precisam de apoio.
HAM: Conta um pouquinho sobre a sua trajetória?
Stela – Eu entrei como enfermeira de unidade de internação. Naquele tempo a gente dizia “enfermeira de enfermaria”. Nesse tempo não tinha plantão, tampouco trabalhávamos aos finais de semana. Nós éramos um grupo muito reduzido. Então eu fiquei nessa unidade até que precisaram de uma enfermeira no ambulatório e fiquei um tempo lá. Depois eu fui transferida para o centro cirúrgico, que é a minha maior paixão. Na época, nós éramos oito enfermeiras, mas como aqui, por conta da dificuldade financeira, o salário era sempre menor que o das outras entidades, elas começaram a evadir. Nesse meio tempo, eu fui chefiar as enfermeiras por ser a mais antiga naquela época. Fiquei com a chefia geral da enfermagem e no ambulatório. Como não tinha plantão, eu vinha aqui aos domingos e sempre por opção. Ia para o carnaval, curtia minhas festas, voltava em casa, me alimentava e vinha pro hospital pra ver se estava tudo bem. E assim as coisas foram acontecendo. Na década de 70 eu fui fazer em São Paulo um curso de radioterapia. Após esse curso eu me certifiquei como a primeira enfermeira de radioterapia do Brasil. Quando voltei já fui direto para a radioterapia. Depois de um longo período surgiu a oportunidade de trabalhar com o Departamento de Ensino e Pesquisa (DEP) e aqui estou até hoje. E faço questão de dizer que estou aqui há 52 anos porque às vezes a gente não se dá conta do tempo que tem com tantos outros colegas. Hoje pela manhã algumas pessoas quando vieram me cumprimentar falaram que têm vinte e tantos anos, outras trinta e poucos… Mas a gente acaba que se perde no tempo, por isso que eu não tenho vergonha de assumir a idade que tenho. Essa casa, é o que é graças a todos nós. Não sou eu sozinha, não é você, mas sim um trabalho coletivo. E meu intuito é sempre ajudar”.
HAM: Qual o maior aprendizado nesses 52 anos?
Stela – Conviver com a clientela carente. Sem nenhuma dúvida esse é o maior aprendizado! Tem gente que chega aqui que não tem dinheiro nem para tomar um cafezinho, mas que precisa estar aqui, cedo, depois de enfrentar horas nessas estradas horríveis e perigosas. Essas pessoas são extremamente carinhosas, atenciosas… Elas são todas muito gratas. Mesmo sem ter, se preocupam em agradar seja com um muito obrigada, uma penca de banana ou com um abraço. E essa gratidão não tem dinheiro no mundo que pague.
HAM: Se pudesse, mudaria alguma coisa na sua história aqui no HAM?
Stela – Não. Nada. Por isso que eu acho que estou seguindo os passos de meu pai e, por coincidência, eu ainda sou a filha solteira e sem filhos. Então, eu tenho esse filho aqui trabalhoso que tem toda a minha dedicação. Eu queria poder fazer mais por essa instituição. Isso era o que eu queria mesmo. Ter mais recurso para deixar o hospital sempre crescendo, sempre melhor, com mais leitos para poder atender a cada vez mais pessoas.
HAM: O que mais gosta de fazer dentro e fora do HAM?
Stela – Tudo que eu faço aqui é com amor. Às vezes quando as coordenações dizem que gostariam que eu fizesse algo, eu digo “Ahhhh não… Não dou mais pra isso não. Já estou velha…”. Mas quando eu vejo, já estou fazendo e acabo me identificando. Para mim tudo aqui é bom! Claro que existem aqueles momentos que a gente se aborrece, mas isso é em qualquer lugar. Trabalhar num hospital filantrópico, pra população carente, que presta o serviço que presta e sempre com qualidade realmente é muito bom. E fora do HAM, eu vou ter coragem de assumir…. Gosto mesmo de sentar num barzinho e tomar uma cerveja bem gelada. Acho que a gente se distrai, descontrai e esquece um pouco dos problemas nossos e do mundo.
HAM: Já foi falado algumas vezes em aposentadoria. A senhora vai realmente deixar o HAM?
Stela – Poder eu posso, né? Tempo de serviço eu tenho, mas vou pensar. Tem horas que eu acho que já está na hora de parar. Tem dias que eu fico sim cansada de manhã quando eu tenho que me levantar pra vir, mas tantos outros dias não. E sempre é um prazer ajudar. Como diz Caetano Veloso: “Vou caminhando contra o vento, sem lenço sem documento…”.
HAM: Qual a mensagem que você deixa para os estudantes e colegas que passaram por aqui?
Stela – Para os estudantes, eu quero que eles se identifiquem com a causa e que no futuro voltem para prestar assistência à nossa população carente do hospital. E para os colegas, que eles sigam meu caminho. Passem esse tempo aqui com toda dedicação possível porque aqui é a casa de nós todos.
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