HAM entrevista: Dra. Avany Maia e os 25 anos do SAD
- Publicado em 12/08/2022
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Com o mote “SAD: 25 anos nos caminhos dos Cuidados Paliativos”, o Serviço de Assistência Domiciliar (SAD) do Hospital Aristides Maltez (HAM) celebra uma história de dedicação aos pacientes em fase terminal do câncer.
O serviço iniciou as suas atividades em 12 de agosto de 1997, quando Dr. Aristides Maltez Filho tornou realidade um antigo sonho de proporcionar um final de vida mais digno ao paciente portador de câncer. A ideia era que o paciente pudesse passar os últimos dias de vida em seu lar, junto aos familiares, recebendo assistência em cuidados paliativos para diminuir seu sofrimento.
Durante esses 25 anos de existência, 2.893 pacientes já foram atendidos e 7.630 visitas foram realizadas pela equipe do SAD. Desde o início, o serviço vem contando com a coordenação da Dra. Avany Maia, oncologista que já possuía experiência na assistência domiciliar para pacientes da rede do Sistema Único de Saúde (SUS).
Acompanhe a entrevista realizada com a Dra. Avany:
HAM – O que significa Cuidados Paliativos?
“Cuidados Paliativos” é a abordagem que promove, através da prevenção e alívio do sofrimento, qualidade de vida a pacientes e seus familiares diante de doenças que ameaçam a continuidade da vida.
Requer a identificação precoce, a avaliação e o tratamento impecável da dor e outros problemas de natureza física, psicossocial e espiritual. (OMS, 2002)
HAM – Quais pacientes podem ser admitidos pelo SAD?
O SAD admite pacientes para Cuidados Paliativos em fase terminal da doença câncer para que possam passar seus últimos dias em suas casas com a família.
Tais pacientes, então, só são admitidos no SAD após o encaminhamento do médico assistente, registrando no prontuário que já não apresentam mais condições de tratamento curativo (nas opções de cirurgia, radioterapia e quimioterapia).
Quando o paciente ainda deambula e mantém regular estado geral, é inicialmente encaminhado para o Ambulatório de Cuidados Paliativos. Se há um agravamento, então são acompanhados pelo SAD.
HAM – Por que o trabalho do SAD é tão importante? Como é o dia a dia da equipe?
O Serviço de Assistência Domiciliar do HAM representa ainda uma oportunidade única no estado de pacientes procedentes do SUS receberem em sua casa a assistência de uma equipe especializada em Cuidados Paliativos Oncológicos até o óbito. Mesmo na fase de luto, os familiares recebem o nosso cuidado.
Para o paciente: a oportunidade de ter seus sintomas medicados e uma morte digna, e não solitária, junto à sua família.
Para a família: além de aproveitar todo o tempo com o paciente, a redução dos custos e do sofrimento dos deslocamentos para atendimentos e internações.
Para o hospital: a redução dos custos da internação de longa permanência e do número dos pacientes atendidos no Pronto Atendimento.
HAM – Acredita-se que o atendimento humanizado e o acolhimento sejam fundamentais para o trabalho exercido. Como se dá isso na prática?
A visita domiciliar segue a filosofia dos Cuidados Paliativos, dedicando a ESCUTA sensível dos sintomas e buscando-se aliviá-los na medida do possível. O Plano de Cuidados é adaptado à dinâmica familiar.
Valorizamos não apenas os sintomas físicos, mas o sofrimento em seu sentido mais amplo: físico, emocional, espiritual e familiar. Isso exige um trabalho em equipe onde exercitamos a empatia.
Às quartas-feiras à tarde, a equipe realiza a Reunião da Família, quando familiares e cuidadores recebem aulas sobre a patologia do câncer, em linguagem acessível, explicando-se a sintomatologia específica do paciente em fase terminal da doença. Os familiares podem ter suas dúvidas elucidadas e expressar seus sentimentos. Há sempre grande participação: nesses nossos 25 anos de existência, 14.973 familiares compareceram às reuniões.
HAM – Existem diferenças entre os pacientes de 25 anos atrás e de agora?
Sim. E essa é uma boa pergunta.
O perfil do paciente: embora continuemos observando que, na nossa instituição, os pacientes, em sua maioria, já são, infelizmente, matriculados com doença avançada, também o avanço dos tratamentos modificou a sobrevida. A quimioterapia, em especial, é mais amplamente utilizada e o paciente pode receber vários esquemas terapêuticos.
Contudo, a experiência de quem trabalha com pacientes em Cuidados Paliativos Oncológicos mostra que, se a doença não é realmente curada, manifesta-se mais e mais à distância (metástases), ocasionando progressivamente mais sintomas e especialmente dor.
Os familiares: o fácil acesso a todas as informações na internet faz com que os familiares, ao verem o agravamento do paciente, procurem novas soluções e passem a questionar mais.
O funcionamento do SAD: somos impactados diretamente pelo inegável aumento da violência nos bairros, o que, sem dúvida, aumenta os riscos do nosso trabalho. Nosso público tem baixo nível socioeconômico e cultural e moradias, às vezes, de difícil acesso.
Acresce a isso o grande aumento do número de automóveis e obras contínuas na cidade, levando a congestionamentos que dificultam o nosso trabalho.
HAM – Durante todos esses anos, há algum acontecimento que tenha te marcado mais?
A assistência domiciliar, em especial, na fase mais difícil para qualquer ser humano – o processo da morte – nos aproxima afetivamente muito do paciente e da família. Então, acontecimentos marcantes não faltam para a nossa equipe.
No entanto, particularmente, a situação que mais me impactou foi a de uma paciente ainda jovem, que durante 9 anos mostrou-se ativa no seu tratamento de câncer de mama. Sendo uma pessoa de nível superior e com uma incomum coragem de estudar sobre a sua doença, falava abertamente da sua morte e já havia programado tudo. Era muito espiritualizada.
Daí tive a ilusão de que o seu processo de partida seria menos doloroso. Contudo, em seus momentos finais, em franca aflição, ela segurou meu braço e olhando-me profundamente me disse: “Como é difícil morrer”. Foi um processo difícil para ela. E, na verdade, de muito aprendizado para toda a nossa equipe.
HAM – Gostaria de dizer algo mais?
A nível mundial, há uma grande defasagem entre a quantidade de serviços e profissionais dedicados aos Cuidados Paliativos e a real necessidade deles.
É certo que o grande número de pacientes atendidos nos confere alguma experiência e muitas reflexões, mas esse número deveria ser muito maior.
O recente uso da terapêutica oncológica com finalidade paliativa tem levado à obstinação terapêutica, que tem como limite o estado geral do paciente suportar os efeitos colaterais. Assim, grande parte dos pacientes oncológicos chega ao seu final sem receber os benefícios dos Cuidados Paliativos, mesmo em instituições onde existe o serviço.
Isso se deve ao despreparo que os profissionais de saúde (e as pessoas em geral) têm para aceitar o processo da morte como algo indesejável, mas natural e inevitável.
Finalizo dizendo que tem sido um privilégio fazer parte da nossa instituição e, por 25 anos, realizar um trabalho que amamos até hoje como se fosse o primeiro dia.
A equipe do SAD agradece.
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